Chaves, Chapolin e o tempo das coisas.

Não sei se souberam, que não só no Brasil, como também no México, as séries de comédia Chaves (em espanhol, Chavo del 8) e  Chapolin (em espanhol não muda a escrita nem pronúncia, é Chapolin mesmo), não serão mais exibidas pela rede de TV aberta (aqui no SBT e lá, na Televisa).

Florinda Meza, a atriz que deu vida à personagem Dona Florinda e foi casada com o criador da série, Roberto Goméz Bolaños, foi questionada sobre este fato e respondeu o seguinte:

Ela segue falando sobre o carinho do público tem com a série e do importante papel que Chespirito tem na cultura mexicana (apelido dado a Roberto Bolaños, referência a um diminutivo de Shakespeare). Me deu um quentinho no coração em saber que ela estava bem e lúcida. E triste pela desvalorização de um trabalho que, com certeza, rendeu boas receitas aos que a transmitiram. Em específico no Brasil, aqui somos uma legião de amantes da série repetida a exaustão e mesmo assim, com um público sendo renovado por décadas.

Entre as respostas, que em sua maioria eram de pessoas recordando momentos, episódios, dizendo o quão eram gratas pela existência da série que marcou epóca e corações. Destoavam alguns outros comentários espinhosos, apontando sobre o conteúdo exibido e as ‘formas’ de se fazer humor que nelas continham: a violência como método de punição, seja de adultos ou crianças ou em ambos, a depreciação de colegas em referência a sua idade, peso ou gênero, omissão perante nessecitados, entre outros.

Ali, já me fez lembrar que alguns amigos na escola tinham pais que não os deixavam assistir tais programas exatamente por esses mesmos motivos, ou seja, não foi só lá e nem só aqui, realmente é algo explícito, mas a roupagem infantil, cenas quase circenses, a inocência e outras qualidades que a série possuia e possui, a gente passava o pano e seguia assistindo.

O que ao meu ver pareciam reclamações bobas, na realidade eram apontamentos sérios.

Você viu mais de uma vez um menino órfão* que, constantemente com fome (e ninguém parecia se importar com este fato), era agredido quando fazia suas peraltices e estimulado a invejar o que outro tinha, Kiko fez isso dezenas de vezes. E tá tudo bem (está?).*Chaves foi abandonado pela mãe em um orfanato e fugiu. Quando chega na vila, é criado por uma mulher que morava no 8 – na numerologia, 8 é meu número astral, nada a ver com assunto mas e daí? – e que depois que ela morre, a própria situação acaba forçando o garoto a se isolar no barril. Palavras do próprio Roberto em 2006.

A rabugenta Florinda que não gostava de gentalhas, mas era caridosa quando na necessidade. Caindo na velha história de que a caridade afaga os corações, mas não faz querer que eles apareçam no mesmo restaurante que você frequenta, de poder ser uma pessoa “boa”, contanto que o outro continue invisível. A caridade como omissão à justiça social.

O desempregado e mal letrado Madruga, cheio dos bicos, que já foi muita coisa e que usava de sua malandragem para subverter sua situação, sempre acabava como um devedor nato.

As tantas e tantas vezes que Seu Barriga e Nhonho eram chamados de gordo, Florinda e Clotilde de velhas, junto a Chiquinha, de feias, Kiko bochechudo, um professor alto de linguica, e por aí ia-se.

No Chapolin, ao dependender dos personagens, essas reproduções de pequenas humilhações e/ou depreciações, também eram presentes.

Chapolin Colorado

O retrato que naquela pequena vila e seus excênctricos moradores ou nos cenários de aventura do frágil, confuso e covarde herói, pudessem haver dezenas de representações da vida real.

E é extramamente doloroso, pra eu, como fã das séries, entender isso em plenitude.

Agora adulto, já entendi e absorvi a mensagem linda que também continha ali de amizade, apoio, inocência, imaginação. Foram tantas tardes os vendo, que já eram de casa.

Pois bem, encaixando no mundo de hoje, de constantes discussões sobre bullying e ataques de qualquer escala, não fosse seu legado, Chaves e Chapolin parecem não caber mais. Pelo menos não de forma indiscriminada ou sem supervisão. Afinal, alguns dos personagens são crianças, o que nos levava a crer que tudo bem, crianças são assim mesmo. E são, esse é problema. Crianças são papagaios espelhados, repetem ao ouvir ser falado ou fazem quando veem sendo feito.

Obviamente que as séries não são casos isolados, quase todas as séries de 2000 pra trás, também compõe a galeria de frases e atitudes não aceitáveis nos dias atuais.

Talvez nem nós saibamos o impacto disso em nossas vidas.

Se “hoje tudo é racismo, homofobia, gordofobia…”, no passado também já era, só seguíamos normalmente nossas vidas sem se importar se aquele conteúdo, uma vez que essa crítica pontual em nossa sociedade não era tão cobrada, impactaria em como nós mais a frente, iríamos ver o mundo e, por que não, naturalizar certas atitudes que nos tornam um pouco mais toscos. Ficamos sim reféns do tempo só que não de uma forma negativa, é entender que ele vai subvertendo e ressiginficando nosso redor para talvez e finalmente, conseguirmos entender de fato o que somos enquanto espécie e enquanto sociedade, como se movimentam os rumos.

Não vou deixar de assistir, nem descartar minha foto que tirei com Edgar Vivár (o ator de Seu Barriga) numa Bienal no Livro. Ou então, me utilizar das piadas vez ou outra. Nem esquecer que o Roberto Bolaños morreu em 2014 na véspera do meu aniversário (28/11). Memórias não são palavras escritas a lápis num caderno para serem apagadas. Estarei seguro que ali existe sim várias problemáticas e sigo alerta à elas.

É um exemplo bobo, mas só vem a confirmar que de fato algumas coisas tem seu tempo, seu momento. Pessoas são assim, destinos e sentimentos são assim, de repente se vão, meio querendo, meio não querendo…

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